segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Saturno, em retorno...


[A Roda da Fortuna - Jean Delville, 1940]

Saturno, seu velho
cretino e sábio
Vens me ceifar os sonhos
Grãos que escoam
das Areias do Tempo
no teu andar arrastado

Não me deixa viver as quimeras
Alheias a tua presença
Que insiste
Nas rugas que surgem no espelho
Ou na dor que brota nos ossos
Lembrando sempre
O escravo que sou
deste teu caminhar

Saturno, soturno...
O que afinal espreita esse teu novo retorno?

Ao fim e ao cabo
seremos todos tragados
pela ambição do teu poder...
Pai terrível
Devorador de seus filhos

Quiçá haja meios
No espaço entre os teus passos
de haver grandes feitos
Aquém dessa limitação
Para que não reste apenas
O fantasma de um tempo em vão.




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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Les Reines Noires de Agache

Foi nos créditos da impactante "La roue de la Fortune" que vi pela primeira vez esse nome: Agache, há alguns anos atrás.
Vi-o novamente há poucos dias, dessa vez com a sua "L'Épée", então fui buscar conhecer suas outras obras e me apaixonei!

Como leigo absoluto que sou, meu contato com as artes é bastante instintivo.
Eu olho. Gosto ou não gosto. Me toca ou não. Me diz alguma coisa, ou não me diz nada.
E nesse caso, as pinceladas funestas de Agache me dizem, sim, e muito!

Não me contive em fazer uma analogia, de toda inútil, porém irresistível, com as Rainhas do Tarô. Obviamente, isso não representa nada além daquelas infames "comparações de figurinhas"...

Então, vamos às "Rainhas Negras" de Agache.

OUROS


[La Diseuse de Bonne Aventure, 1895] [Rainha de Ouros - Thoth Tarot - Crowley/Harris]

A mulher portando o globo, nesse ambiente telúrico de verde/dourado/negro/marrom do quadro me lembrou de imediato a carta do Thoth, onde a Rainha aparece "entronizada sobre a vida da vegetação", e o disco tradicional ganha a tridimensionalidade de um globo/esfera.


[Rainha de Ouros - Antichi Tarocchi Liguri-Piemontesi][Fantaisie, 1907]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .[Cover / Dodal / Ottone]

Em alguns baralhos clássicos, além do disco/globo, ela também porta um cetro/bastão. Isso, acrescido da similaridade da posição e do traje me fez ver algo em comum entre as cartas e essa pintura dele.

Ainda nos domínios da Dama de Ouros, caberia uma outra obra, intitulada "Vanité".


COPAS



[Enigme, 1888]. . . . . . . . . . . . . . . .[Rainha de Copas - Thoth Tarot - Crowley/Harris]


Sim, as cores são destoantes. Mas a composição é muito semelhante, a pose delas é idêntica e os elementos encontram paralelos em ambas as imagens. Até mesmo a ave que aparece aos pés da rainha na carta, tem seu correspondente no emblema de Ísis/Mut estampado no alto da parede, no fundo do quadro.

Curiosamente, essa obra é chamada "Enigme", e me remete muito a forma indecifrável com a qual foi representada essa Rainha no Thoth. Nas palavras do próprio Crowley sobre ela:

"A imagem dela é de extrema pureza e beleza, com sutileza infinita; ver sua Verdade é dificilmente possível pois ela reflete a natureza do observador com grande perfeição."
(O Livro de Thoth, p. 153)

Quando esta obra foi exposta, em 1888, era acompanhada por um excerto de poema de Edmond Haraucourt, dizendo:

"Sacerdotisa do enigma e filha do mistério / Eu guardo sob o céu os segredos do que ele quer fazer / E eu sei do futuro como um fato consumado. / Mas eu fechei a minha alma austera / No orgulho do silêncio e da paz do esquecimento." (tradução livre)

[Étude, 1910]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .[Rainha de Copas - Medieval Scapini]


Neste outro caso, a comparação se deve apenas pelo semblante plácido, cingido por uma coroa e um véu esvoaçante e, principalmente, pelo gesto da mão sobre o peito, referência ao coração (Copas), feita por ambas.
Eu não consegui decifrar o que ela segura na outra mão, tampouco obtive essa informação pesquisando acerca. Se alguém conseguir entender, por favor me avise!


PAUS



[Magicienne, 1897]. . . . . . . . . . . . . . . .[Rainha de Paus - Rider-Waite]


A referência do bastão é bastante óbvia. Alguns outros elementos também coincidem. Mas numa impressão geral, a mim pelo menos, a sensação evocada por ambas as imagens é muito parecida. Especialmente pelas cores vivazes, ígneas que Agache utilizou aqui.
Além disso, a pintura intitula-se "Magicienne", o que me remete muito ao caráter de magia/bruxaria atribuído a essa Rainha.



[Les Couronnes, 1909]. . . . . . . . . . . .[Rainha de Paus - Ancient Tarot de Marseille]

Já aqui, a exuberante cabeleira solta e a coroa de louros são os elementos diretos comuns em ambas as imagens. De fato, não consta nenhum bastão na pintura. Há sim, a sugestão de fogo dada pela fumaça saindo do queimador à esquerda da composição.


ESPADAS



[L'Épée, 1896]


Esta dispensa qualquer demonstração. A obra fala por si só. Uma mulher de postura forte, semblante firme, descansa sobre seu colo uma espada. Ao fundo lê-se a inscrição latina "PRO IVSTITIA TANTVM" que significa que a espada (violência) deve ser utilizada apenas por Justiça.


O ARTISTA



Alfred-Pierre Joseph Agache(Lille, 29 de agosto de 1843 — Lille, 15 de setembro de 1915) foi um pintor acadêmico francês. Infelizmente pouco se sabe a respeito dele. Iniciou sua carreira como músico, mas em uma viagem à Itália conheceu grandes clássicos e acabou se especializando em retratos e em pinturas alegóricas de grande escala. Exibia frequentemente seu trabalho em Paris. Foi membro da Sociedade de Artistas Franceses e, em 1885, ganhou uma medalha de terceira classe por seu trabalho. Teria cultivado amizade com o artista americano James Abbott McNeill Whistler e com o escritor francês Auguste Angellier; este último dedicou um livro a Agache por volta de 1893. Duas de suas peças, "Vanité" e "L'Annonciation", foram apresentadas na Exposição Universal de Chicago. Em 1895, Agache se tornou oficial da Legião de Honra.

Para conhecer algumas de suas obras clique aqui.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Um último rito

Não era, absolutamente, nesse contexto que eu imaginava reativar esse blog. Que nem mesmo está totalmente pronto ainda. Mas se há uma coisa que este ano me ensinou, é que não se pode perder tempo. Pra nada. Não há o que se esperar, a vida é urgente e não sabemos o que nos aguarda em seguida, para nos darmos ao luxo da espera.

Adash pretendia passar esse réveillon na praia, já que há anos não íamos ao mar. Então, recusei os convites de amigos e parentes para a virada, fui eu ao mar, realizar um último rito por sua passagem. Fazer a oferenda que ele pretendia fazer à sua mãe Yemanjá.



Chegando lá, encontrei um mar revolto, do jeito que ele mais gostava e sempre aparecia em seus sonhos. Ao entrar no mar, achei lindo ver um cenário de peixes saltitando contra o refluxo a minha volta e gaivotas dando rasantes sobre as ondas sob a luz da lua. Me lembrou muito este quadro, que é lindíssimo e infelizmente não sei o nome do artista.



No barquinho de oferenda, junto às rosas, entreguei ao mar a Princesa de Copas que ele havia desenhado (na oficina da Sarah Helena, na Mystic Fair) e a mesma carta do seu Thoth. Assim como seu perfume e mais algumas coisas dele.


[Princesa de Copas - Thoth Tarot - Crowley-Harris]

Adash amava essa princesa, via nela a expressão da plenitude, da liberdade e fluidez emocional. Dizia ser seu “arquétipo oculto” da corte.

Uma das suas observações sobre a carta do Thoth foi:
“É interessante a forma como a Frieda representou ela caminhando firme sobre as ondas.”



Deste modo, entreguei o filho de volta aos cuidados da mãe. Do ventre da Mãe-Mar ele veio, a este retorna, e leva consigo uma parte de mim.

Nunca simpatizei muito com anos de Oxum, minha mãe, pois me são sempre anos de grande impacto. Perdi minha mãe em um ano assim (2000) e agora o ciclo se repetiu.
Lavei meu pranto nas águas do mar noturno, no meu próprio rito de passagem. Sei que a falta nunca irá passar, a saudade ainda é indizível, mas todo ciclo precisa ter seu fim. Agradeço a sorte de ter tido esses dois capricornianos a meu lado nesses 28 anos de vida.


[Arcano XVIII - A Lua - Ancient Egyptian Tarot - Clive Barrett]

Agora é hora de encerrar o luto e seguir em frente, sozinho. Sim, porque estar sem ele(s), mesmo amando e contando com meus preciosos amigos, é estar sozinho. Por isso, decidi virar o ano assim, sozinho, para vivenciar a minha Lua. Na escuridão da noite, sem estar hospedado em lugar algum, sem nenhuma garantia, contando apenas com o próprio instinto, de fronte às mais inquietantes emoções. Vislumbrando o vai e vem do mar e refletindo, à espera da chegada do Sol.
E quando o primeiro sol de 2012 surgiu, me encontrou a beira-mar, aliviado e reconstituído.
Cantando: “Mãe d’Água, Rainha das Ondas, Sereia do Mar...”



Tenho muito boas impressões sobre este novo ano. Percebo um link muito forte entre Lua-Fortuna-Mar, que publicarei num outro post.
Feliz e abençoado 2012 para nós!




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